Gripe suna: Os limites da cincia

O contágio coletivo ainda assusta, já que história da humanidade é repleta de doenças devastadoras

Bactérias e vírus antecedem à medição humana do tempo, mas as aglomerações urbanas e formas equivocadas de lidar com a natureza tornaram possível a expansão das grandes epidemias. A partir do início dos anos 80 do século passado, a explosão da aids inaugurou a era das epidemias com ampla cobertura pela mídia: o pânico causado pela então desconhecida doença foi partilhado em escala global.
Seguiram-se o terrível vírus ebola, que assustou a África e, por pouco, não entrou no Ocidente pelo porto deMalburg, na Alemanha, a retomada da meningite, da cólera, da dengue que a cada ano faz mais estrago entre nós. Nessa primeira década do século XXI, além de guerras e audaciosos ataques terroristas, cepas de vírus antes exclusivas de animais sofrem mutações e passam a atingir e matar humanos. Foi assim com a gripe aviária e, agora, o planeta assiste sobressaltado aos estragos provocados pela gripe suína. Previsões alarmantes também existem em relação ao ressurgimento da malária e da febre amarela.
No entanto, muito antes do jornal e da TV espalhar globalmente e em tempo quase real o drama das vítimas e o suspense causado diante da possibilidade de pandemias, a história humana tem registrado pragas devastadoras como a da peste bubônica, também chamada de peste negra por deixar manchas desta cor na pele, que dizimou cerca de 25 milhões de pessoas em uma Europa perplexa diante do misterioso “castigo.” Era uma época em que desconhecia-se que organismos vivos, invisíveis ao olho, causavam doenças - algumas devastadoras. O microscópio, que revelaria esta realidade oculta e perversamente fascinante, só seria inventado no século XVI e a partir de Louis Pasteur, no século XIX os micróbios ganharam a dimensão de vilões da saúde.
INVISÍVEIS - Apesar de todo o estrago provocado, esses seres “invisíveis” encontraram um inteligente ponto de equilíbrio biológico, pois se todos os seres humanos morressem vítimas de epidemias, eles não teriam hospedeiros! No caso das grandes epidemias, o estrago foi imenso, mas grupos populacionais sobreviviam, geravam descendentes, aptos a enfrentar o próximo ataque. Sejam quais forem as circunstâncias, o desequilíbrio entre o ambiente e os humanos é que arma o gatilho para que epidemias voltem à cena.
Foi o que aconteceu com o retorno da peste bubônica ao Congo, em 2006, quando mil casos foram registrados. Na Europa, a doença havia desaparecido em 1720, após a epidemia de Marselha. No Congo, a doença, no distante passado atribuida a miasmas do mal, foi contida graças a modernos antibióticos. Não foi assim quando a epidemia eclodiu vários séculos antes, acreditase no delta do Nilo e originária da Índia. Antes de chegar aos países europeus, matou 300 mil no primeiro ano! Atualmente é de conhecimento da ciência que as epidemias tiram proveito de aglomerados humanos com condições de higiene precárias, falta de educação sanitária (lavar as mãos, por exemplo) e de organismos com o sistema imunológico debilitado pela carência de nutrientes, fenômeno comum na era pré cristã e, incrivelmente, em nossos dias.
PESTE DE XERXES - Foi assim quando os persas invadiram a região da Tessália, pertencente aos gregos, quando os soldados liderados por Xerxes, acampados e debilitados pela fome, foram dizimados pela disenteria causada pela água contaminada. A historia denomina o episódio de a “peste de Xerxes”.
Não é apenas a era do jato a responsável pelo transporte rápido de vírus e bactérias. Quando passaram a abrir estradas para alastrar os domínios do império, os romanos facilitaram a circulação de pessoas e, também, de microorganismos. Apesar do hábito de banhos regulares e dos aquedutos, que transportavam água potável, os romanos viviam em ruas sujas e apertadas, tal qual na Idade Média da peste bubônica, e com expressiva densidade demográfica.
Estava construído o cenário para a entrada em cena das epidemias de varíola, catapora, sarampo, cujos registros históricos são esparsos e com poucos detalhes sobre os estragos provocados. O surto de doenças, contudo, ajudou a fortalecer o Império Bizantino causando a mudança da capital de Roma para Constantinopla, hoje Istambul, na Turquia. Por ser um centro de intenso intercâmbio comercial, principalmente pela via marítima, esta cidade seria o berço da peste bubônica na Europa. Navios, infestados por ratos cujas pulgas estavam contaminadas com a bactéria Yersinia pestis, causadora da doença, transportavam além de víveres, o sofrimento e a morte.
A epidemia foi devastadora. Entrou pelo leste europeu e se espraiou pela Itália, norte da África e sul da França. A peste e outras infecções epidêmicas dizimaram 40 milhões de pessoas – a população da Europa caiu de 70 milhões para 30 milhões entre os séculos III e VIII. Como se não bastasse, a lepra, hoje rebatizada de hanseníase, doença comum na China e Índia, também foi transportada por embarcações Mediterrâneo adentro pelas tropas do conquistador Alexandre, no século IV a.C. As populações do Egito e da Itália foram, inicialmente, as principais vítimas. As Cruzadas do século XI elevaram o número de vítimas da doença. Embora a lepra seja de difícil contágio, estima-se que muita gente tenha sido enviada sem ter a doença a um dos 19 mil leprosários então existentes na Europa, após passar pelo julgamento (!) de um júri composto por membros do clero e cidadãos.
RETORNO - A peste bubônica volta a assustar no século XIV. Kaffa (atualmente Teodósia), na Criméia, foi invadida pelos tártaros que se contaminaram com a peste e invadiram o local na expectativa de levar a doença para os genoveses que exploravam o comércio na região. A doença volta a se espalhar, atingindo a Inglaterra, Áustria, Alemanha e Itália. Morreram 20 milhões de pessoas, um terço da população da Europa de então.
Com as grandes viagens mercantilistas para o Novo Mundo, no século XVI, chega a vez dos europeus carregarem doenças que mataram milhares de índios, entre as quais a varíola. Ainda nesse período a malária, que se acreditava ser transmitida pelo mau ar, e a sífilis entravam pelos portos mediterrâneos, invadindo prostíbulos do continente. Também o tifo, cujas primeiras notícias surgem nesse período, atravessou os séculos e fez estragos nas duas guerras mundiais do século XX, quando também a Gripe Espanhola, entre 1918 e 1919, dizimou 1% da população do globo.
As epidemias ainda assustam a humanidade e expõem a falsa ideia do controle onipresente da Ciência sobre a maioria das doenças. No entanto, fazem parte do inexorável ciclo da vida.

Matéria publicada no jornal A Tarde em 10 de maio de 2009

Compartilhe

Comente

Fale com a gente!

Conheça os canais do comunicação

Sugestão de Pauta

Envie sua sugestão para nossa assessoria

Gabinete Brasília
1ª Avenida, nº 130 - C.A.B. Prédio Nelson David Ribeiro Gabinete 207 - CEP 41745-001 - Tel: (71) 3115.7133

Gabinete Feira de Santana
Rua Domingos Barbosa de Araujo, nº 333 - Kalilândia CEP 44001-208 Tel: (75) 3223-2728

Gabinete Salvador
Av. Luís Viana Filho, 6462 Ed. Manhattan/Wall Street East, Torre A, Sala 1509/10/11 - Paralela - CEP 41730-101 - Tel: (71) 3055-1323